quarta-feira, 22 de setembro de 2010

"AMOR, POLÊMICO AMOR"


OS FATOS:

Um dos sucessos do cinema brasileiro, o filme "Amor, estranho amor" foi dirigido por Walter Hugo Khouri e contava com a participação de Vera Fisher, Tarcísio Meira, Xuxa, Rita de Cássia, Otavio Augusto, dentre outros nomes consagrados da televisão e do cinema nacional.
O filme conta a historia de um garoto, Hugo, que é trazido de Santa Catarina por sua vó para morar com sua mãe, Ana, que é amante de um político conhecido, em São Paulo. A narrativa em flashback nos mostra as memórias de Hugo, já adulto, revisitando o casarão onde funcionava o prostíbulo de Dona Laura, lugar em que descobrira a sua sexualidade, sendo iniciado, ao final, por sua própria mãe (papel de Vera Fisher), após ter tido contatos bem íntimos e inusitados com outras moças da casa.
Filmado há 31 anos e lançado em 1982, “Amor, estranho amor” foi a estreia de Xuxa nas telonas, antes de ela se tornar apresentadora infantil. Sua personagem adolescente aparece em cenas sensuais com o garoto de 12 anos da história, interpretado pelo ator Marcelo Ribeiro que, por sua vez, em 2006, se tornou estrela de filmes pornográficos, aos 34 anos.
Em 2007, a apresentadora teve dificuldades para tirar da internet imagens do filme, mesmo quando já tinha conseguido excluí-lo quase completamente de circulação após decisões judiciais em favor da apresentadora, além de fitas que foram recolhidas do mercado.

 
OPINIÃO E ANÁLISE CRÍTICA

Se você assistir ao filme, ficará chocado com a exposição do jovem ator a cenas de conteúdo bastante erótico mas, se você se permitir adentrar aquele universo, verá que tudo aquilo se punha como necessidade do enredo proposto e imaginado pelo dramaturgo.
A história é sobre um homem já maduro que, em flashbacks, recorda sua iniciação sexual aos 12 anos, quando fora devolvido à sua mãe, que morava e trabalhava como prostituta de luxo em um casarão de São Paulo.
Hugo é exposto à volúpia das prostitutas do local, que não poupam ousadia e insinuações para com ele, prontamente transformado em objeto de desejo de todas elas. É complicado pensar que um roteiro desse conseguisse aprovação pra ser rodado hoje em dia. Mas, à época, "Amor, estranho amor" trazia uma proposta que foi recebida pelo público de maneira diferente. Não se trata de uma "pornochanchada", como já vi ser rotulado em vários sites da rede. É, antes, um filme sensual e chocante, na linha mesma do genial Nelson Rodrigues, explorando o subconsciente sexual das personagens; permitindo que elas dêm vazão aos seus mais inconfessáveis desejos. Sob esse ponto de vista, criticar o filme de Khouri por sua "obscenidade" é o mesmo que atirar pedras contra a riquíssima e insólita produção de Nelson Rodrigues pela pornografia que encerra, tão necessária ao contexto em que se insere e no universo que pretende instaurar para o leitor.
O que estou querendo dizer é que se trata de um propósito artístico, e não de pura e injustificada pornografia como todos querem fazer parecer.
Faço tal introdução para entrar nos méritos da participação de Xuxa nessa produção.
Para quem não sabe, o filme foi rodado em 1979 e lançado para o mercado apenas em 82. À época de sua filmagem, Xuxa ainda estreava como modelo e nem sonhava com uma carreira televisiva voltada para o público infantil. Anos mais tarde, totalmente envolvida com o trabalho para crianças e preocupada com a repercussão negativa que o filme teria para a sua imagem, a apresentadora buscou, por intermédio da lei, impedir a circulação e a comercialização da película, sendo atendida em sua requisição e tendo sido estipulada uma multa bastante alta à produtora, caso não cumprisse a decisão judicial.
Hipocrisia? Não. Xuxa nunca negou - nem poderia! - sua participação nesse filme e sempre tratou dele como mais um dentre os vários trabalhos voltados para o público adulto que fez em seu início de carreira como modelo.
Em entrevista a Amaury Junior, Xuxa revelou que seu único ressentimento em relação ao filme foi que, de repente, quando ela alcançou o estrelato junto ao público infantil, as pessoas transformaram "Amor, estranho amor" num filme "da Xuxa", quando, na verdade, os protagonistas eram Tarcísio Meira, Vera Fischer e o próprio menino, Marcelo Ribeiro. O fato pode ser comprovado pela mudança do cartaz utilizado para o filme: o original trazia Marcelo, de braços cruzados, com o título da obra. Depois do estouro de Xuxa na TV, o cartaz utilizado passou a ser o que vocês vêm abaixo, com a figura de Xuxa devidamente destacada da dos demais, em colorido.


"Amor, estranho amor" passou a funcionar como uma afronta ao trabalho infantil de Xuxa, ao mesmo tempo em que se valia de descarado oportunismo para ganhar os mercados nacional e internacional.
Com todas as ressalvas necessárias - confesso que me incomoda muito ver um pré-adolescente em cenas tão eróticas! - acho exagerada a reação das pessoas em relação às cenas de Xuxa com o garoto. Insisto: há um contexto. E, em última análise, julgar a apresentadora por um papel que fez no cinema seria o mesmo, por exemplo, que execrar Patrícia Pillar, atriz que eu amo, por ter feito uma personagem sórdida como a Flora, de A Favorita! Loucura pura! Patrícia NÃO É Flora, como Xuxa NÃO É Tamara! Se as pessoas não conseguem ver com bons olhos a participação de Xuxa neste filme, deveriam, ao menos, ter a lucidez de separar uma coisa da outra.
Em começo de carreira, o papel no filme foi um excelente divulgador para Xuxa, que teve a oportunidade de contracenar com grandes nomes da nossa dramaturgia. Recusar seria bobagem! Qual modelo não gostaria de, naquela época, ter tido a mesma oportunidade?
Verdade é que "Amor, estranho amor" já teria caído no esquecimento não fosse o fato de Xuxa ter feito parte de seu elenco. Fosse qualquer outra atriz em seu lugar, no mesmo papel, e o circo todo jamais teria se armado durante tanto tempo, rendendo tanta polêmica e discussão infundamentada.
Cansei de ver as pessoas fazendo observações maldosas, desferindo xingamentos ou mesmo se valendo de pseudoexorcismos para condenar Xuxa por sua participação nesse filme.
Concordo que o papel nada tem a ver com o trabalho que decidiu fazer posteriormente, mas como é que ela poderia adivinhar que, anos mais tarde, se tornaria a "Rainha dos Baxinhos"?
Às pessoas todas que insistem em emitir julgamento sem conhecer de verdade os fatos e sem atentar para os pormenores artísticos que eles envolvem, aconselho apenas o seguinte: vão ler, vão estudar, vão se aprofundar um pouquinho na literatura de boa qualidade pra ver quantas formas há de se tratar de um assunto tão delicado quanto rico como é a sexualidade humana, mola-propulsora da ação no enredo desse filme.
Vão conhecer um pouco melhor o que é o trabalho dos atores e das atrizes, que não necessariamente concordam com aquilo que fazem em cena, mas o fazem por força de um trabalho e de um propósito maior que está por trás daquilo.
Reflitam: dá pra julgar o caráter de um ATOR ou de uma ATRIZ a partir dos PAPÉIS QUE ELES REPRESENTAM? Se for assim, coitada da Beatriz Segal, que deu vida à maquiavélica Odete Roitman!
Bom senso não faz mal a ninguém, hum?
E se depois disso tudo, ainda houver quem fale bobagem, despeço-me com um sábio provérbio chinês que sentencia o seguinte:

"Quando for dizer alguma coisa, pense bem se o que tem a dizer é mais importante que o SILÊNCIO."

12 comentários:

Dan Vícola disse...

Esse post responde a todos aqueles que, ao longo dos anos, perguntaram que opinião eu tinha sobre o filme.
Tá aí. Bem ao meu gosto: embasado em argumentos racionais, de maneira inteligente e bem articulada.
Respeito todas as opiniões. Se você não gosta da Xuxa, se você enxerga as coisas sob outro prisma, esses são direitos seus e você deve fazê-los valer. Desde que você defenda seus pontos de vista de maneira INTELIGENTE, aqui sempre haverá alguém disposto a ouvir e a respeitar.
É isso. Abraço aos seguidores da Nave! ;-)

TH disse...

Não tenho menores palavras para concordar contigo. Esse artigo merece ser publicado até na comunidade oficial da cantora. Pense a respeito - os fãs e os detratores da rainha merecem lê-lo.
Adorei
:)

Stelle disse...

Para uma modelo de 16 anos, em início de carreira, participar de um filme com Tarcísio Meira e Vera Fischer é uma oportunidade irrecusável. Atentemos também ao contexto político e social: estávamos em plena ditadura militar, que foi o principal fator na mudança da abordagem do cinema brasileiro. De acordo com a Dra Seligman, da Unisinos, a pornochanchada "combatia através do escracho e do deboche a tentativa falsa do governo de estabelecer um país-modelo no campo audiovisual – uma tentativa de criar um Brasil de mentira nas telas".

Citando a célebre frase do blog Porra, Maurício!: "Fora do contexto, ninguém é normal".

Parabéns pelo post!

Dan Vícola disse...

Stelle!

É sempre uma alegria abrir discussão com pessoas lúcidas, inteligentes, que sabem fazer bom e produtivo uso da palavra!
Agradeço demais sua contribuição à discussão que aqui pretendi instaurar.
Seja sempre muito bem-vinda ao Nave!
Grande abraço!

Blog Indefinido disse...

Simplesmente fantástico.
Vou indicar a todos os ignorantes para que tenham a ideia deturpada da participação de Xuxa no filme esclarecida!
Vc é incrível!

Dan Vícola disse...

Muito obrigado!
Fico feliz que minhas palavras possam lançar alguma luz sobre essa polêmica histórica na carreira da Rainha!
Obrigado pelo comentário e pela visita!

Tainá disse...

Sou muito fã da Xuxa, quando soube desse famoso filme, busquei pesquisar bastante, pois não estava acreditando na veracidade das informações. Até que cheguei neste artigo.
Creio que todos os argumentos trazidos são coerentes. Mas quanto a colocação de Xuxa não é Tamara, pelo amor de Deus!!!!
Acredito que todos os atores, quando são requisitados para algum trabalho tomam conhecimento do que esta sendo proposto.
Pergunta que faço e como, qualquer pessoa, em pura lucidez aceita realizar um trabalho, mesmo que com um contexto dramático, de exposições sexuais com uma criança?! Mesmo que na época não existisse a lei que assegura os direitos da criança e adolescente!!!
É um absurdo que seja aceitável pelas pessoas que uma pessoa famosa, que realizou um "trabalho" com uma criança não tenha tido nenhum ônus. Mas enfim, é o Brasil. O que mais poderíamos esperar?!

Moderador X disse...

Oi, Tainá!
Agradecemos sua opinião registrada! Toda opinião é bem-vinda e muito necessária para chegarmos ao esclarecimento acerca das coisas.
Se você assistiu ao filme, viu que Xuxa não foi a única atriz a contracenar com o garoto. O contexto todo era sobre o fetiche do menino para com as prostitutas da casa e delas para com ele. É injusto, então, condenar APENAS Xuxa por isso. É claro que ela sabia o que estava fazendo. É claro que tudo lhe deve ter sido muito bem explicado. Mas reitero: é uma PERSONAGEM, fruto da imaginação de um AUTOR que tinha um OBJETIVO DRAMÁTICO ao escrever aquela história. Não acho que afirmar que "Xuxa não é Tamara" seja exagero. É, antes, uma questão de bom senso. Justamente por ser um TRABALHO, ela tinha de fazer o que o papel exigisse. E vale lembrar: para uma modelo em início de carreira, fazer um filme ao lado de estrelas como Tarcísio Meira e Vera Fischer não era pouca coisa. Será que dá MESMO pra criticar Xuxa por ter aceito essa oportunidade? Parece-me que a incoerência é crucificá-la por uma PERSONAGEM. Temos de saber separar as coisas, não? Você "odeia" uma atriz ou um ator só porque interpretam vilões? Por mais que nos choque o enredo do filme, repito, insisto e pondero: é UMA OBRA DE ARTE. E condenar coisas como este filme seria o mesmo que atirar pedras a um gênio do gênero como o mestre NELSON RODRIGUES, por exemplo.
Espero que reflita melhor sobre o assunto e considere nossas colocações à luz do bom senso.
Abraço.

Equipe do NAVE DA XUXA

Unknown disse...

Primeiro se para começar uma carreia você topa qualquer papel sem pensar no dia de amanhã é isso que acontece!!! Segundo, mostra que na época não se tinha moral nenhuma ao se tratar de criança, não me espanta que o ator infantil virasse um ator pornô por tal deslejo com a infância dele ao coloca-lo nesse filme! Terceiro eu acredito que um erro do passado possa ser perdoado sim mas me diga, se um cara matou alguém no passado quando ele deixa de ser assassino perante a sociedade? Para mim, Xuxa nunca foi exemplo de proficionalismo, de família e muito menos de rainha!!!

Márcio disse...

Concordo com muito do que foi dito aqui. Realmente não foi um começo de carreira que mereça ser lembrado. Mas para aquilo que a Xuxa representa hoje, isso só vem á mostrar o quanto ela evoluiu todo esse tempo. Naquela época era apenas uma garota imatura manipulada pelos empresários e principalmente pelo próprio Pelé, seu namorado na época. É engraçado condenar somente a Xuxa pelo filme, sendo que na história a Vera Fischer fez cenas muito mais apelativas mesmo interpretando a mãe do garoto. É só pensar um pouco. E Xuxa é sim um exemplo de profissional. Nunca outra artista conquistou o mesmo pretígio e popularidade num espaço tão curto de tempo de carreira.

Geraldo Brito (Dado) disse...

Excelente artigo!
Honesto, claro e coerente!
Sem mais!

tedboy456 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
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